Consideramos aqui que Arte Contemporânea compreende movimentos, estilos e linguagens artísticas que se desenvolveram após a 2ª Guerra Mundial, quando, além do desenvolvimento científico e tecnológico que possibilitou novas formas de expressões, os artistas mostraram-se interessados nas verdades inconscientes e na reconstrução da sociedade.
A arte passou a ter um caráter conceitual, utilizando-se de expressões e técnicas inovadoras que incentivam a reflexão subjetiva da obra, abordando muitas vezes temas que provocam o debate e o questionamento.
Podemos considerar que praticamente junto deste período o cavalo, antes essencial como força motriz e transporte, começou a deixar de fazer parte da sociedade. Com isso, ao pensar em arte contemporânea, a imagem do cavalo não faz parte do que esperamos ver.
Mas isso não é verdade! Desde os primórdios o cavalo esteve presente nas manifestações artísticas.
Estava nas pinturas rupestres, ilustrou diversos artefatos na idade média, esteve tanto na arte religiosa como nas representações mitológicas, era símbolo de poder nos retratos da realeza e foi motivo de diversas pinturas, seja por sua beleza, no esporte ou como parte da sociedade.
E agora, na arte contemporânea ele também está presente, porém representando um símbolo ou uma ideia, vem para instigar nossas emoções seja por apelo visual ou por meio de metáforas.
Na 57ª Bienal de Veneza, em 2017, a artista argentina Cláudia Fontes exibiu a instalação “The Horse Problem”.
A instalação mostra uma cena congelada onde um cavalo, uma mulher e um jovem estão presos em um laço de causalidade infinito no qual o medo é a causa e o sintoma ao mesmo tempo.
O medo do cavalo de ficar preso no prédio cria uma avalanche de pedras viajando em sua direção, as sombras formam uma imagem espelhada de si mesmo, embora explodindo.
A brancura e a suavidade do material conferem à cena a qualidade de uma aparição, como se os personagens e suas circunstâncias existissem em uma temporalidade paralela.
Já em “Palomo” – 2012 , a artista paraense Berna Reale aparece montada num cavalo vermelho (tingido sem dano algum) atravessando as ruas desertas de Belém, remetendo uma cidade onde foi decretado um recolher obrigatório (poderia ter sido hoje hein!).
Apenas uma figura de autoridade que passeia a cavalo pelas ruas, com roupas negras semelhantes às usadas por corpos de intervenção policial, exibe ainda um açaime, objecto intimidatório, que ao invés de refrear o animal, amordaça e controla a mordida da figura autoritária representada.
O vídeo foi um dos destaques de Vazio de Nós, individual no Museu de Arte do Rio, em 2013. Berna Reale é uma das artistas contemporâneas brasileiras mais aclamadas tanto aqui como no exterior, tendo sempre presente em sua arte questões políticas e sociais.
Continuando no Brasil, temos como parte do acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) a escultura “Grande Cavalo” de Marino Marini.
A figura não representa movimento, mas está imbuída de energia interna e primitiva. As patas afastadas e o pescoço estirado para o alto emanam força e determinação de confronto com o entorno. O despojamento de detalhes da figura converte-a em uma abstração, em símbolo.
“Minhas estátuas equestres expressam a angústia causada pelos eventos deste século [Marini refere-se a Segunda Guerra]; a inquietação dos meus cavalos está ficando mais forte a cada nova peça, o cavaleiro está cada vez mais exausto, ele perdeu seu poder sobre a besta e as catástrofes que ele sucumbe são semelhantes às que destruíram Sodoma e Pompéia […]” (MARINI, 1972 apud Museu Marino Marini).
Na Escócia, elevando-se acima do Canal Forth & Clyde, duas gigantescas e brilhantes cabeças de cavalos, os Kelpies , projetadas por Andy Scott, são um feito de engenharia, cada um feito com 300 toneladas de aço estrutural, e são uma homenagem monumental à herança da potência dos cavalos, que foi vital para as primeiras indústrias.Eles são o maior par de esculturas equinas do mundo.
Mas a Arte Contemporânea não tem preocupação com a estética, no sentida do “ser belo”, ela se preocupa em levar a um raciocínio, e muitas vezes deixa de encantar espontaneamente levando o observador a refletir sobre o assunto abordado ou sentimentos gerados.
Na instalação “We are all Flesh” , da artista belga Berlinde De Bruyckere, vemos peças de resíduos de matadouros de cavalos para descrever como a dor e o sofrimento levam animais e seres humanos a um terreno comum.
De acordo com a artista, ao longo dos séculos, os cavalos simbolizam poder, glória, força e liberdade. A nobre besta, há muito domesticada por humanos, tem servido em muitas conquistas da civilização, assim como para pilhagem e guerra. Nesta obra eles simbolizam nossos medos da impotência e desolação, enquanto talvez também nos encorajem a ter coragem e força diante da vida.
“Eu só uso animais em uma forma humana. Comecei a trabalhar com cavalos em 1999, quando o Flanders Fields Museum, em Ypres, me pediu para refletir sobre a guerra. Eu estava trabalhando há mais de um ano nos seus arquivos e fiz muita pesquisa sobre este assunto. As imagens mais importantes para mim foram as de cidades abandonadas e dos corpos de cavalos mortos. Estas imagens ficaram em mim. Eu peguei os cavalos como símbolo da perda na guerra, onde quer que isso aconteça. Porque se nos dirigimos à guerra, estamos falando da perda de pessoas.
Eu queria traduzir este sentimento então eu comecei a trabalhar em seis retratos de cavalos mortos. Alguns anos depois, quando as pessoas me perguntavam sobre outros animais no meu trabalho, eu dizia ‘não’. Eu preciso do cavalo por causa da sua beleza e sua importância para nós. Eles têm uma mente, um caráter e uma alma. É o mais próximo de nós seres humanos. Eu não poderia imaginar outro animal tão importante.” (Berlinde De Bruyckere, 2011)
Já o renomado artista italiano Maurizio Cattelan, conhecido por sua arte polêmica – uma delas foi a banana exposta no Art Basel de Miami em 2019 vendida por 120 mil dólares – utilizou-se de cavalos taxidermizados em algumas de suas instalações.
Elas transmitem uma tensão frustrada, uma energia negativa, uma inquietude em suspensão sem capacidade de mover-se. Leva a um imaginário coletivo, a uma reflexão sobre a dimensão social e cultural da natureza do nosso mundo frágil atual.
Esses são só alguns exemplos do uso da figura do cavalo na arte contemporânea, e existem muitos mais! Fique de olho que você perceberá!